Milagre em Ponta Garça
A freguesia de Ponta
Garça, pertencente ao concelho de Vila Franca do Campo,
na ilha de São Miguel, serviu de cenário a uma extraordinária ocorrência, al
egadamente considerada como manifestação milagrosa.
na ilha de São Miguel, serviu de cenário a uma extraordinária ocorrência, al
egadamente considerada como manifestação milagrosa.
Ao tempo, dia 5 de Outubro de 1940, tinha eu apenas cinco incompletos anos de
idade. Juntamente com a minha família encontrava-me entre uma compacta
multidão avaliada em dezenas de milhares de crentes e curiosos, evidentemente
atraídos pela promessa de que “Nossa Senhora ia aparecer e ia haver milagre”.
O lugar escolhido chamava-se Grotilhão. Tratava-se da história dum pastorinho
de 10 anos de idade e de nome Vergílio da Ponte Rego, que indo um dia no mês
de Junho apascentar uma cabra, e levando um terço, afirmou ter visto (quando
rezava) uma figura estranha de mulher que, depois, havia-lhe declarado ser
Nossa Senhora.
Aparentemente, as aparições e mensagens de Nossa Senhora continuaram em
sucessão, por dias e meses adiante, até que misteriosamente ficou estabelecido p’ró
povo da ilha se reunir ao ar livre no Grotilhão, no sábado dia 5 de Outubro,
data de aniversário da implantação da República em 1910.
Calcula-se que p’ró Grotilhão se deslocaram entre 15 mil a 30 mil pessoas.
Lembro-me de ter passado pela casa do Vergílio e tê-lo visto ao pé da porta.
Lembro-me, também, de ter passado perto do sítio das aparições, ou seja, um
rectângulo cujo chão estava atapetado com verdura, entre castiçais e flores, um
quadro de Nossa Senhora e um crucifixo.
Ao derredor do rectângulo, apinhado com gente enferma, estendiam-se garrafões
e garrafas com água. Foi-me dito que tal pertencia a gente, que ali viera com
muita fé e devoção.
Confesso que não me recordo, e por isso não me é possível garantir testemunho
concreto, se houve milagre do sol. Recordo-me, tão somente, que estava um
calor insuportável, e de ter caído ligeiramente uma chuva miudinha. Aliás, só
muito indistintamente conseguia descortinar o que se ia desenrolando adentro do
rectângulo reservado ao pastorinho, que ali chegou um par de horas depois do
meio-dia.
Consequentemente, se alguma visão celestial ocorreu, devo dizer que não tenho
a mínima ideia. Apenas me recordo do burburinho que perpassou pela multidão,
de ouvir gente a gritar entre soluços e preces... e nada mais!
Com respeito à realização deste ou daquele milagre, seja-me permitido apontar
novamente que, a esse tempo, eu era uma criança com cinco anos incompletos.
No entanto, a caminho de casa p’rà “minha” Ribeira Grande, recordo-me de ouvir
muita gente falar de como Nossa Senhora, através do Vergílio, havia prometido
que a guerra ia acabar em breves dias.
Curiosamente, propagou-se a notícia que Nossa Senhora queria que ali
construíssem uma ermida em sua honra. E é tudo quanto, neste momento, me recordo
daquele já distante sábado, 5 de Outubro de 1940, em Ponta Garça.
Na hipótese de alguém desejar informações mais completas, recomendo o
livrinho intitulado “O Caso de Ponta Garça”, (Tipografia Moderna, Angra 1940),
composição e impressão de José Cruz e da autoria de João Outeiro (Gervásio Lima,
salvo erro), transcrevendo as reportagens do “Correio dos Açores” e do “Diário
dos Açores”, juntamente com os comentários publicados no “Açoriano Oriental”
e em “A Ilha”.
A freguesia de Ponta Garça foi originalmente chamada Ponta da Garça pelos
antigos descobridores, “por lhe parecer de longe garça ou vulto o ar que lhe
parecia, da outra parte, branco como ela, por um buraco ou vão que a mesma ponta
tem na rocha”. (Gaspar Frutuoso, Saudades da Terra, Livro IV, pg. 152, Ed.
1998).
Nesta Ponta da Garça, como anotou Frutuoso, “está um lugar do mesmo nome, que
tomou dela, freguesia de Nossa Senhora da Piedade”. A igreja paroquial de
Ponta Garça é, ainda hoje, da invocação de Nossa Senhora da Piedade. À sua
padroeira, o saudoso padre José Jacinto Botelho, natural de Ponta Garça, dedicou
esta mimosa quadra:
Mãe! Se não nos assistes,
O mundo faz-se em destroços.
Senhora dos olhos tristes,
Olha a tristeza dos nossos.